Valia
a Pena Arriscar
Helmut mal percebia Samir,
com seus olhos fixos, no canto
da sala. Era um vulto indistinto.
Mas, mesmo assim, ainda dava
para trocar algumas idéias
com ele. Helmut achava-o meio
pessimista, talvez por ter
sido enforcado há alguns
séculos, julgado como
feiticeiro pela Inquisição.
Era, no entanto, muito culto
e sensato, e costumava lhe
dar bons conselhos. Hoje estava
meio caladão.
Helmut virou o rosto para
a direita, sem mudar de posição
e viu, sentada na cadeira,
no canto, ao lado do aparelho
de som, Dolores. Com seu rosto
macilento e sem cor, com um
corte profundo na garganta,
seco, com o sangue coagulado
e escuro. Fora assassinada
pelo seu marido há
um bom tempo; via-se pelas
suas roupas, longas, que cobriam
os seus braços, pernas,
e quase todo o pescoço.
O seu intenso olhar transmitia
a Helmut uma tristeza infinita,
um pedido de socorro.
Entre os três, a mesa,
rodeada de cadeiras, e os
outros móveis da sala.
Helmut deixou a sala de jantar
e caminhou em direção
à janela. O apartamento
estava na penumbra e pelas
persianas entreabertas olhou
para a rua. Percebeu que já
era noite, alguns carros passavam
na rua, e transeuntes agasalhados
caminhavam pelos passeios.
Havia um prédio imponente,
de um órgão
do governo, em frente ao seu.
Ele decidiu sair, apesar do
frio. Trocou de roupa, se
agasalhou bem. Deixou Samir
e Dolores entregues aos seus
pensamentos, trancou a porta,
desceu as escadas e chegou
à rua.
Deu de cara com Helga, que
se assustou quando o viu,
arregalando os seus olhos,
um verde e o outro, castanho-claro.
Caminharam lado a lado, em
silêncio. A rua era
comprida, Helmut nunca havia
chegado ao seu fim. Os transeuntes
e os carros foram minguando.
Caminhavam há algumas
horas, sem trocar uma palavra.
Agora, havia uma subida íngreme.
A rua foi sumindo e deu lugar
ao cascalho, a um caminho
esboçado na terra,
aos arbustos esparsos, ao
mato ralo.
Uma neblina foi se adensando
em torno deles. A cada momento,
enxergavam com maior dificuldade.
Helga cutucou Helmut, era
o som do chocalho típico
de uma cascavel. Passaram
a caminhar com bem mais cuidado.
Um rugido de um leopardo soou
distante. Eles se entreolharam,
mal se distinguiam entre a
neblina pesada. Súbito,
o calor surgiu. Perceberam,
a uma boa distância,
o brilho intenso de lavas
incandescentes, que se moviam
com lentidão. Novamente
se entreolharam, significativamente
surpresos.
Parecia que estavam alcançando
o topo. Caminharam por mais
alguns minutos: sim, chegaram
ao topo do monte. Mas... nada
mais havia: nem terra, nem
cascalho, nem arbustos, nem
neblina. Entreolharam-se,
mais surpresos ainda.
Os minutos se passaram. Helmut
e Helga olharam bem dentro
dos olhos, um do outro. Tranqüilizaram-se
mutuamente. Valia a pena arriscar.
Olharam para a frente e deram
um passo em direção
ao... nada.
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